segunda-feira, 24 de outubro de 2011

É PRIMAVERA

Segunda. Madrugada.
Guardo a lembrança amarela dos ipês em flor.
Mudo as coisas de lugar e penso num amor que não está mais lá. Transa boa, papo bom, aventuras. Pretérito perfeito, lembranças sem futuro.
 Corro pelo meu mundo ainda desordenado, mas sem o caos que me habitou dias atrás. Leio um romance e em seus meados já começo a prever o fim, a moral: o amor, o perdão e as conseqüências das escolhas. Chatice. Bah.
O combustível aumentou novamente. Preciso de pneus novos e um final de semana com águas termais. Um cabernet sauvignon ao anoitecer.
O fim do décimo terceiro está em debate. Foder... É o que deixamos fazerem com nossos bolsos, carregados do gozo jorrado pelo poder, pelos interesses ocultos e não esclarecimento sobre a projeção social para tal ação. Eles penetram em nossas carteiras e no direito à escolha... Estamos na “rede” como Bullock, no filme de nossas vidas reais e do controle de nossos tostões e aquisições. Aumentaram o IPI dos carros importados. Por que não diminuem os impostos dos nacionais?  
Democracia? Estímulo à competitividade?
Meu pensamento é safado e imagino estes políticos como cachorros correndo atrás de cadela no cio antes de cada votação, enfiando seu pau armado em tudo quanto é buraco para não perder o tesão, um bacanal completo até o momento da transmissão dos trabalhos em rede nacional.
Cadê Marina Silva?
Alguém ainda vota contra burguês?
Minha fala é forte e inquietante. Ora, inconveniente e malcriada, mesmo ensinada no antigo acordo ortográfico e nos trejeitos regionais do “X”. Eu, ressignifico os pronomes e meus possessivos são compartilhados. Aprendi as palavras mágicas e meu discurso demagogo as valoriza com os alunos. Tenho manias de transgressora.
Meus filhos já não reclamam mais meu peito e seguem pro mundo que os apresentei, é deles que também me ocupo com o dever de dizer-lhes que não sou santa nem bruxa, nenhuma heroína ou cocaína, nem rainha, às vezes galinha, às vezes metafísica, e outras crítica... sou a mãe que os pariu e que lhes mostra que as coisas tem muitos jeitos e ser, precisamos olhar com olhos de quem pode ver. Se a cegueira nos toma, precisamos tatear e sentir, falar, agir.
Renasce meu comigo-ninguém-pode envolto em hortelãs... doce veneno. É. Primavera.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

QUANDO AS EXISTÊNCIAS SE ENTRELAÇAM

Sábado de Sol num setembro negro. Lancei sobre meu corpo vestes despojadas: uma saia longa preta, rasteira dourada, uma rosa vermelha ao peito.
Meu momento “Rita Baiana” com Fe Moraes de “Aluísio de Azevedo”, Céia de “das Dores” e o Mercado Público: nosso “Cortiço”.
Quando estava à vontade com minha personagem e o gingado de seu caminhar, Joel nos reconheceu e nossas histórias se entrecruzaram.


Joel com seu largo sorriso abriu minha trouxinha de fina cambraia, desdobrando paninhos engomados de lembranças. Fomos desatando laços de nossas vidas passadas. E passando em revista nossa memória partilhada.


Minha lembrança mais nítida era a mais antiga, vinda do bairro da Barra do Rio – o lugar mais distante do Centro em que morei – nos tempos de meus 13 anos: um disco de vinil de Cindy Lauper (emprestado), notas bailarinas envolventes do Tchaikowsky perdido, o sabor mentolado de meu primeiro beijo e os distantes meninos da “pelada”... Joel, molecote, no meio da rua com os primos.
Já Joel se atreveu a dar detalhes de meu transitar, como vizinho do tempo de uma juventude por mim esquecida, com o ex marido, segundo ele, “chato” e torneios de futebol.
Lembramos da vizinha que viveu na Itália, pessoas e amigos comuns. Lembramos dos tempos e de tantas vezes que esbarramos como conhecidos estranhos.
Eu lembrava Joel menino e ele de mim mulher. Nossos ponteiros se ajustaram, mas nunca marcarão o mesmo tempo, nem o mesmo gosto. Possivelmente a alegria do encontro no palco da vida e quem sabe, no compasso de uma dança.
Assim como no romance de Aluísio de Azevedo, sem poesia ou hipocrisia, nosso papo chegou à crítica ao Capitalismo Selvagem, o desejo de um futuro de Paz e Amor e na observação de que quando todas as existências se entrelaçam e repercutem umas nas outras, é preciso prestar atenção aos bordados e a magia de seus nós.


Itajaí, 03/10/2011.