sexta-feira, 16 de novembro de 2012

LUZ!!!


Ao meu Querido Avô com Amor...
Que Deus o abençoe sempre...

Luz!

Minhas notas escritas. Lacrimosas gotas da mesquinha saudade.
Porque desvencilhamos de falar da morte, se ela está não no contraponto, mas na própria circularidade da vida?

E foi assim, que pela terceira vez nos aproximamos - eu e ela – não que estivesse a minha espreita ou a minha espera, não consigo imaginá-la tão dissimulada. Ela apenas segue sua função: o desdobramento do antes e do depois; num encontro nada casual, nada poético. Sem surpresa, sem delírios, sem compreensões. Impacto inevitável. Morte.

Uma hora antes com ele estive e orei. Pedi que não sofresse mais com a vida, que desapegasse diante da realidade que lhe trazia dor – 86 anos e a não plenitude de seus atos, da coragem de se deixar descansar. Nem seu olhar perdido em qualquer lembrança nos encontrava mais. 

Após a febre e o sangue esvanecido, ele seguiu um novo rumo, talvez levando seus apitos de pássaros, alguma arma e um cantil, para matar a sede da nova aventura de viver em nossas memórias. Ou quem sabe simplesmente caminhou mata adentro em noite escura, passando por alguma boate azul com um trago de cachaça de butiá e alguns pontos de dominó contados a mais. Um modelo de hombridade e irreverências.

Não se foi sem antes dançar nos saudosos bailes do Atiradores, recepcionar negociantes holandeses e sorrir com o casal de crianças loirinhas que visitou sua casa. Anjos? Quem saberá?

Vô deixou-me trocar sua camisa, seguiu meus passos pela casa para ele esburacada, deixou-me alimentá-lo. Na bricolagem de seus pensamentos eu me tornava minha filha, depois voltava a ser eu mesma.

Finalmente sem ser menino, tive permissão para entrar em seu mundo quase selvagem de outrora caçador. Limpei as folhas da cama para sentar-se. Como não partilhar de seu mundo de fantasia se ele sempre me amou como nenhum outro homem fizera, alimentando meus próprios sonhos. Lembrando-me do lugar onde ficavam as moedas para o lanche da escola, ou o dinheiro escondido para alguma emergência. Confianças. Confidências. Meu avorrai...

Sua cama, para mim despida de qualquer intencionalidade alcoviteira, me acolheu em noites de medos e convalescências. E numa das noites mais longas de nossas vidas, na distância entre um suspiro e um sustenido, deitamos lado a lado, só me restando aquecer suas costas e as marotas lembranças que nos afastavam da grande tristeza do momento: a partida de vó Maria.

Mais que me dar a vida ele me deu as condições para vivê-la.

Vimos macacos, tucanos e uns passarinhos verde e amarelo da cor do Brasil. Subimos a Serra. Reclamamos a chuva. Tomamos água benta do Pai Eterno. Rimos de sua tontura sem fonte nenhuma de embriaguez. Nos embriagamos com suas aventuras. Ele nunca foi cantor, mas sempre trouxe flores na hora certa.

Pescamos peixes no Mercado Público e paramos em nosso boteco preferido como fizemos inúmeras vezes. Quem mais me contaria dos presentes perdidos com as putas uruguaias? Ou confessaria que os peitos da minha avó continuavam belíssimos mesmo depois dos 80?

Dessa vez não havia nada alcoólico. Nem guardanapos para serem tocados como cuíca. Tampouco versos ou frases brejeiras tipo: “Tonico, querido das moças e prezado das velhas”.
Não havia nada mais picante que suas próprias histórias.
Somente o vento tilintante de novembro com nuvens espumosas.
E aquela intensa força que clareia nossos dias.