sábado, 8 de fevereiro de 2014

MEU NAMORADO VIVE EM UMA ILHA

Essa é uma dessas histórias de ocasião. Alguns fatos são verdadeiros , embora a verdade sempre indomada, tenha muitos jeitos de ser...

       Conheci Vladimir Cortez em Cuba.
        Início de século XXI, o mundo não acabou. Eu estava em um congresso de educação e Vladimir num de medicina, éramos de outro lugar. Precisamente estávamos em Havana, na festa do centro universitário.
        Vladimir acabava de levar um "fora" de uma bela mexicana. Eu, estava ofegante de dançar com um colega costa-riquenho.
        Sentei-me ao bar e me deliciava com o preparo de um delicioso mojito. O barman me serviu e sinalizei em direção a Vladimir, havia algo entre sede e desalento em seu rosto quase sempre imaculável:
       -!Por favor, sirva-lo. ?!Necessita, como no?!
       Vladimir não entendeu bem o que aconteceu e quis pagar o drink, o barman piscou: ...-La señorita...
[Solidariedades]
        Eu tenho namorado.
        Brindamos e Vladimir me contou que estava em um congresso para ortopedistas. Acho que nunca conversei com um ortopedista antes: nunca quebrei braço, perna, essas coisas, só a "cara" algumas vezes. Quando penso nesse encontro, penso em pequenos episódios de vidas sem importância. Não consigo descrever a imensidão ou detalhes daquele lugar, é como relatar o cenário sob uma visão de viajante apressada que se deslumbra com o exótico e o superficial; isso não é Cuba.
         Tudo se passou em um tempo de urgências, desses em que o tempo não pode passar em vão.
         A sensualidade, o erotismo, a libidinagem, noite caribenha, salsa caliente e o ardor das críticas à política local balançaram nosso estado de alerta quase sem fim... ahhh essas mentes intelectuais perdidas na linguagem desperta dos sentidos, dos desejos. Os sexos, o sexy, mojitos, prazeres.
         O garçom usava um safári caqui.
         Vladimir fica lindo com camisa verde clara e bermuda de linho palha. Achei que ele tivesse descendência oriental: olhos levemente puxados, fala baixa, mansa, segura. Com certeza a bela mexicana ficou assustada. E o olhar de Vladimir ein?! Que olhar marcante! Desses dominador, de homens que dominam na iminência de serem, de alguma forma, bárbaros heróis. Mas, que outrora são suspeitos de crimes imperfeitos, como todos os homens solteiros depois dos 40: de caráter desarraigado, quase fantasmagórico e com decência duvidosa.
          Acho que me apaixonei... não sei se foi a salsa, o rum, o aroma dos charutos, Vladimir, aquela ilha... sim, com certeza me apaixonei.
          Espantei Vladimir quando roubei uma flor. Não consigo me manter aferroada a um mesmo código de conduta. Foi instintivo, eu via apenas um espaço puro diante de mim aonde as flores se abrem infinitamente. Não a roubei por cobiça, foi degustação gratuita, a flor era comestível. Sou uma ladra confessa: já roubei um espanto de uma senhora, um sussurro de um menino, um sorriso gostoso de uma bebê (que guardo numa lata de biscoitos para saborear depois de dias amargos), roubei um beijo de Vladimir.
          João me defenderia se um dia fosse levada a julgamento por meus roubos. Mesmo dizendo, que às vezes eu o assusto, ele roubaria mais flores pra mim...ele é meu namorado.
          João sabe bem que o furto é obra de meus sentires marotos que se negam a crescer (em parte por amar a ingenuidade, em parte pela transgressão latente). João gosta de me mimar, me surpreender com a realização de alguns caprichos e cozinhar frutos do mar deliciosos no meu aniversário, adoro suas vieiras e sua taça William's. Ele já me levou pra dançar num barzinho badalado mesmo sem saber dançar. Eu gosto disso, gosto do inesperado, do riso leve, do cafuné e de seus três cachorros velhos.
          E todavia, em nosso caminhar individuais, Vladimir, João, eu... tentamos nos vigiar com o duradouro, estamos nos lugares que devemos estar, fundados em um puro acontecer. Então tento me libertar das "fôrmas" que atrapalham meu juízo, sigo com alguns talvezes.
          Nós três seguimos cheios de não quereres, não compromissos, não entregas... tão carregados de distanciamentos, de nos fazermos tão solitários em nossas ilhas, até chegarem a me perguntar por que tanto me veem nas fronteiras entre Solidão e Otimismo. Respondo: des (Espero)...
          João, escritor e faroleiro, mora numa ilha. Ainda que o veja de 40 em 40 dias quando a barca leva suprimentos, vão se espalhando meus sóis quentes e plenos pelo mar e tenho a sensação de aconchego. Sem Cuba, sem culpa, sem intelectualidades. Vou olhando a paisagem e o barqueiro, estranhando: -O que contém para o barqueiro nas idas e vindas do farol? Há um fumo descabido? Uma boa prosa? Como segue sempre levando tudo que precisa, sem nunca faltar nada?
          Pra que falar de amor quando se tem os oceanos?
          Eu, graças a Deus, nunca estive em tormentas.