segunda-feira, 18 de abril de 2011

CONTO URBANO

ABBA – BRACADABRA: DIÁRIO DE AGNETHA QUE PODERIA SER SAMANTHA

QUERIDO DIÁRIO
Não consigo pensar nas temporalidades lineares já que os acontecimentos são emergentes e o passado se torna incerto no “Long Play” da memória. Minha primeira calça jeans não foi a mesma que ganhei da tia; vovô não perdeu seu dedo no dia que choveu, para minha prima foi em janeiro com certeza. Há sempre um outro jeito de acontecer. Acontece.
A verdade é que às vezes, quero transgredir as convenções. Já ouvi falar de história oral, processo histórico e história do tempo presente, minhas narrativas são do cotidiano insano que é a vida de muitos de nós. Então, o particular é um infinito de profecias que nos faz pensar: o que sinto, o que vejo, os outros sentem e vêm?
Freud e catarse. Psicografia. Falar, escrever, ler são necessidades para não esterilizar o pensamento. São necessidades para rir do sofrimento e entender melhor a vida. É poder compartilhar com um ser objetivo/subjetivo – que é o diário - as vivências, expectativas e malogros da civilidade.
As particularidades podem ser compartilhadas e alguém não se sente tão só nas trilhas individualistas do contemporâneo e na sociedade do espetáculo, aonde o privado é se tornar um personagem público de si mesmo. As personalidades múltiplas já não são mais um transtorno psiquiátrico, mas um meio de sobrevivência social – O Alienista de Machado de Assis, que nos informe melhor.
Coisa simples a sobrevivência?
Cheguei de viagem ontem e as palavras saíram das pedras rupestres. Gosto de pedras, um dia li a crônica de uma colega que chegou a pensar que podia ser uma. Gosto de comida em panela de pedra. Gosto de massagem com pedras energéticas.
Tanta vida. Toda a arte na guerra de ser mulher. Toda a disciplina em simplesmente ser.
Cansei de choros no chuveiro, mas não de dançar de pijama ao som de um hit passado. Faço lutas de travesseiro com meus filhos e lhes canto cantigas de ninar. Trabalho, namoro e já tive muitos amores em minha vida. Já levei alguns foras e nunca fui a Garota do Fantástico, nem namorei ministro francês. Pensando bem, meu francês é péssimo. Adoraria fazer amor escutando poesia francesa. Já o fiz ao som de música francesa, italiana e em inglês com um alemão em Marrocos.
Me encrenquei com uns caras por ter ganhado bonecas e não carrinhos para brincar quando pequena. Nunca quebrei perna, braço e espelho, quem sabe um dia coloque gesso só pra você assinar.  Ou seja possível uma reviravolta na sorte. Sempre achei a Suzy mais bonita que a Barbie.
Quando pego um jornal leio a notícia da capa, o horóscopo, a seção de política e o obituário. Adoro quadrinhos, bolhas de sabão e praia. Amo meus filhos e às vezes preciso de férias de tudo e todos.
Alguém já avisou que Cuba não é mais o sonho comunista? A mãe de Liesel Meminger sumiu. Na Argentina homossexuais podem casar e minhas relações hetero são eventuais. Marco os verbetes novos que procuro no dicionário. Faço palavras cruzadas. Releio as coisas que escrevo, sou obsessiva por corrigir as vírgulas, os inícios de parágrafos e os pontos finais. Meu português não é perfeito e ainda não me adaptei ao novo acordo ortográfico. O tempo corre e as novas informações nem sempre estão em prática.
Tenho amigas e amigos e não empresto mais dinheiro que não posso doar. Já magoei pessoas que amo e fui magoada por outras que mal conheço. Minha irmã é uma estranha e mamãe nunca nos vestiu igual.
Escuto de “Time of my life” só para ouvir a voz de  Patrick Swayze. Tenho um pôster do Tom Cruise em Top Gun e da Penélope Cruz em Volver. Adoro “Todo sobre mi Madre” e queria ser arranhada pelo Wolverine – só de leve. O Gabeira não usa mais tanga e esqueceu de fazer política. A maconha detona neurônios ou a ambição oprime os ideais?
Permita que você me conheça, posso vir a ser o amor da sua vida, a vizinha ao lado, alguém pra te ajudar ou que possa contar com sua ajuda.

1 – Minhas Origens
Nasci na ditadura e cresci na utopia da democracia. Sou de um país emergente em que os “novos miseráveis” compram TV de LED, fazem empréstimo consignado e viajam em cruzeiros, nunca escutaram sobre Jean Valjean. Me chamo Agnetha, a “Chiquitita” do papai, se fosse homem seria Fernando e você já deve imaginar porque... Também podiam ter me chamado de Samantha já que os coroas se amarravam em tele seriados.

Sou das massas, sou do povo e estudei em escola particular. Tentei casar, tentei cantar, tentei dançar e virei atriz social: filha, mãe, mulher, neta, sobrinha, tia, profissional; vez ou outra, eu.

Já casei duas vezes, namorei outras tantas e não lembro do último beijo que dei. Será que foi no roqueiro ex padre? Ou no parapsicólogo israelita? Já fui musa pra pintor de parede; inspirei um escritor e ouvi música de outros festivais. Já recebi flores de plástico de um político e santinhos para distribuir.

Me batizaram como filha de Xangô e Oxum, sou feita para o amor, nem sempre tudo posso doar. Pra além dos orixás, a vida às vezes é um tédio, então escrevo pra curar a ressaca. Minha mãe é uma sufragista e meu pai um navegante. Acabei por nascer “porra loca”. Sou escritora. Tenho dois filhos, que graças a Deus são homens: custam menos, são mais práticos e não têm visão periférica. Cada filho tem um pai e cada pai é o mesmo para seu filho: os vêm a cada quinze dias e pagam pensão alimentícia pra não ir pra cadeia. Minha vida é Severina.

Não vendo voto, não compro ouro e participo de algumas correntes na internet. Já vendi meu corpo por um SPA numa metrópole, um casaco importado, um perfume de grife famosa e gozei o lucro. Coloquei silicone, fiz lipo e os terríveis quilos a mais insistem em me atormentar. Não sou santa, nem sou bruxa e se faço alguma magia, nunca consigo que ele me ligue na hora que desejo.


2- Meus Sonhos
Sonhei ser loira e surfista, presidenta, ou quem sabe surrealista, fiquei estática sem pintar a minha dor. A “maçã” é minha preferida e Raul não a toca mais. “Sutilmente” me torra a paciência e vou querendo “Rosas” com Seu Jorge cantando pra mim. Fui apaixonada pelo Rick Martin e ainda acho seu rebolado o mais sexy.

Tento escapar ao Sex and the city, mas as pontas dos meus pés coçam mais que o limite do cartão pedindo sapatos – quero trezentos pares. Já fiz progressiva, pilates e menti a minha idade – não por vergonha, só por mau costume. Tentei entrar pra uma religião Zen, só sei rezar ao “Santo Anjo”.

Xinguei uma pessoa honesta; briguei com um desequilibrado e bati em cachorro. Não curto violência, embora um tapinha no bumbum me deixa um tanto excitada. Já me chamaram de cachorra, de safada e de tarada e nem sonhei fazer BO por isso. Já roubei uma flor, mas nunca um beijo. Já desejei ser a mulher do próximo.

Pintei meus cabelos de vermelho, minha raiz morena latina e a falta de glamour não me deixam ser Gilda. Descrevi tantos cenários que no meu imaginário: Vale dos Vinhedos tem o Elevador Lacerda e parece um quadro de Dalí.

Ontem tomei Tequila, fugi de meus filhos e atropelei um gato que não gritou miau. Acordei na noite escura e acendi todas as luzes com medo de barata.

3 – Minha Realidade

Queria ser como Allende, parar dez minutos com o Coelho ou indicar a cura como o Cury. Nunca publico o que escrevo, na verdade sou corretora de textos técnico-científicos. São artigos e mais artigos com mais de dez páginas, trezentos caracteres de resumo, que iniciam geralmente com pronome definido e têm, dizem, alguma relevância social.

Não quero conhecer mais nenhum homem diferente, nenhum cara novo e não tenho saco para cantadas clichê. Já passei esmalte na meia calça e assaltei a geladeira à noite. Outro dia enfiei um bombom todo na boca para não dividir com ninguém. Xinguei o juiz, o jogador e o presidente; achei um absurdo o preço do combustível.

Me torra a paciência saber que pago pra beber, pago pra comer, pago pra respirar e pra evacuar. Pago pra trabalhar, pago a babá e o motel, se precisar. Dinheiro não traz felicidade, mas embeleza a vida. Principalmente depois da primeira garrafa de vodka. A noite me chama e no boteco há boemia. Não tenho gato, nem cachorro e acho um crime passarinho em gaiola. Até hoje o tio Lilico, irmão do tio Leléco não sabe que fui eu quem soltou seus canarinhos.
Já fiquei seminua na praia. Tirei erva daninha do canteiro e tentei virar maconheira, nem cigarro sei fumar. Sou viciada em paciência e Playstation. Fiz mais de 2500 pontos no Guittar Hero. Não curto esporte de contato e acho lindas as pernas do Adriano.

Estudei uma nova filosofia e quase pirei ao descobrir que Maria não é mais virgem, que Jesus ficou com a Madonna e Madalena doce pode ser comida ao som de um samba de mesmo nome. Sou uma avatar de minha geração só não consigo me lembrar com que roupa eu vou pro samba que você me convidou.

Desci as escadarias do destino e lá no meio estava a doce flauta de Hamelyn a me guiar pelo apocalíptico mar do imposto de renda. Ah, a esperança da terra prometida exaltada por louvores à previdência privada. Ter pai pobre é destino e o marido rico entrou em extinção.

Sonhei em investir na bolsa, mas o melhor que consegui foi um moedeiro com adesivo Dior. Ainda quero uma Custom e cair na estrada de couro preto, bota cano médio e caveirinha no anel. Por hora fico olhando meus guris apreciarem as voltas das motocas no globo da morte. VIDA louca VIDA: já que não posso te levar, quero que você me leve.

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