terça-feira, 2 de abril de 2013

O ARTESÃO


Para Fred... Imaginando-o com um belo chapéu panamá em lugar de mesmo nome... Obrigada por inspirar minha primeira crônica de um personagem masculino.

O ARTESÃO
Por Maristela Vanzuita

Francisco Cregório nunca foi a Milão, mas a elegância de seus ternos vestiam a vaidade dos homens de sua terra. A cada molde traçado, a cada risco cortado e gavião ajustado havia ali um sonho, uma técnica, uma arte.
Ás vezes só a “palavra” de um homem bastava para encaminhar uma encomenda, num tempo em que a elegância dos gentlemans era suficiente. Lindas obras finalizadas em tons sóbrios expostas em cabides de pura madeira lapidada e aromática, cobertas com papel de alva seda.
Francisco Cregório atendia ilustres clientes de risos largos; gestos taciturnos; porte altivo; pensamento cerrado. O que ninguém imaginava, tampouco, o gato audacioso da vizinha de peitos fartos, colo pronunciado e boca carmim, é que Francisco escondia um segredo.
Todo domingo santificado, e isso não era lá coisa de Francisco, ser metido a religiosidades – pois só freqüentava as missas para prestar referência a comunidade e prestigiar o desfile dos lindos ternos que compunha - assim, ao entardecer de cada domingo e o cair da noite de toda quarta-feira, como um ritual sagrado, Francisco se despojava da fita métrica, da tesoura, dos alfinetes sarcásticos que jamais machucaram seus clientes senão a si mesmo.
Seguia em caminhada, seguia pela estrada: um panamá na cabeça e paisagens passadas no pensamento. Dobrava a primeira esquina a 30 metros de sua casa, na antiga construção de um celeiro alemão de tijolos marcados, talhado no século XVIII.
Abria o ferrolho da porta que rangia lentamente, entre cantiga e sorriso aberto para o abraço ao seu querido bem vindo. Batia os pés no tapete, recordava suas memórias e a alegria da inocência da infância. Acendia todas as luzes, e em cada uma delas acendia uma chama em seu coração.
E lá, encontrava com saudade cada uma das 60 pessoas (tanto quanto a proximidade da sua idade), as pessoas mais queridas de sua vida sua mãe, sua filha, sua irmã, algumas ex namoradas e os filhos que não teve; os amigos mais prezados dos países em que não morou.
Na ponta de seus dedos, uma ponta de nostalgia, esse sentimento delicado que traz algum movimento ao canto do seu lábio.
Tudo começou como uma brincadeira, uma ilusão adolescente de confeccionar máscaras para o carnaval de Veneza. Ilusão essa cercada de frustração, medo, dor, incompreensão, amores, originalidade. Segredo. Até que Francisco Cregório percebeu que tinha poder de eternizar, assim como um Deus, ele eternizou aquelas 60 pessoas. E, sem nunca ter parido, ele lhes deu a vida.


2 comentários:

  1. Minha primeira crônica de 2013 com personagem masculino. Imaginando que pior que estar prisioneiro em uma cela é estar prisioneiro em si mesmo...

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  2. Para maiores esclarecimentos o Chapéu Panamá é fabricado no Equador.

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